terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O Uso indevido do discurso constitucional.



Selva!

 Em tempos de julgamento no STF sobre os poderes do CNJ e tantas pessoas criando o seu método de interpretação Constitucional vale a leitura do texto abaixo:


O Uso indevido do discurso constitucional.


A Constituição representaria, para as democracias, o mesmo que a Bíblia representa para os cristãos. Ali, encontrar-se-ia a verdade a verdade.

O discurso bíblico muitas vezes esconde tiranas pretensões. O mesmo tem ocorrido com a Constituição[1]. Seres humanos interpretam a Carta. Fazem dela o que querem. Ora libertam, ora escravizam. O discurso constitucional tem servido também para oprimir nações que optaram por ser diferentes.

O professor Arnaldo Godoy discorre acerca da indevida apropriação do discurso constitucional como forma de justificar pretensões escusas. Ele nos diz "O que se pretende, nas entrelinhas, é se problematizar o próprio conteúdo axiológico da constituição, documento que a discussão política elegeu como ícone, que o discurso jurídico se apoderou como referencial canônico e que o pensamento crítico aponta como mera narrativa, referencial de mais uma formulação metafísica, tão ao gosto da cultura ocidental. E aqui se encontra mais um problema. É que textos constitucionais se multiplicam em ambientes culturais não ocidentais. Constituições são votadas, impostas, discutidas, seguidas, desrespeitadas, em todos os pontos do mundo, na China, no Japão, na Mongólia, no Irã, na Argélia, no Paraguai. E são muito parecidas”.[2]

John Rawl também reflete com precisão acerca desta prática. Ele nos traz um histórico bem feito em relação às interferências injustificadas praticadas por nações sobre países mais frágeis. A prática, como veremos, é nefasta:

“Portanto, dadas as deficiências de regimes atuais alegadamente constitucionais e democráticos, não é surpresa que intervenham muitas vezes em países mais fracos, inclusive os que exibem alguns aspectos de democracia, ou mesmo que travam guerras por razões expansionistas. Quanto a primeira situação, os Estados Unidos derrubara as democracias de Allende, no Chile, Arbenz, na Guatemala, Mossadegh, no Irã e, alguns acrescentariam os sandinistas, na Nicarágua. Quaisquer que sejam os méritos desses regimes operações ocultas foram levadas a cabo por um governo movido por interesses monopolistas e oligárquicos, sem o conhecimento nem a crítica do público. Esse subterfúgio tornou-se mais fácil pelo recurso conveniente à segurança nacional no contexto da rivalidade entre as superpotências, que permitia às tais pequenas democracias, por mais implausível que fosse, serem apresentadas como um perigo. (...).”[3]

O fato é que, com o advento da Revolução Francesa e da independência norte-americana[4] as Constituições, nos moldes da nossa, passaram a se inserir na organização das nações de uma forma, ao que se vê, irreversível.




Trecho extraído do livro do meu estimado professor Saul Tourinho Leal. Controle de Constitucionalidade Moderno.




[1] Godoy, Arnaldo Sampaio de Morais.Direito Constitucional Comparado. Porto Alegre: Sérgio Ant?onio Fabris, 2006, p. 14
[2] Godoy prossegue: “Falsificações empíricas e intelectualismos autoritários cinicamente se apoderam do discurso constitucionalista” (ibidem, p. 14)
[3] RAWLS, John. O dirieto dos povos. Tradução de Luís Carlos Borges; revisão técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 6-9.
[4] MENDES, Gilmaar ferrera; COELHO, Inocêncio Míres; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva 2007, p. 949.